CONTO: OS AFILHADOS DE SAO JOAO MARIA 4°LUGAR NO 1° CONCURSO LITERARIO MUNICIPAL DE LAGOA VERMELHA RS

OS AFILHADOS DE SÃO JOÃO MARIA.


A curiosidade de dois irmãos em relação a um velhinho que morava nas proximidades de sua casa, fez os garotos seguir aquele ancião até um mato perto dali. Eles tinham certeza que ele era um lobisomem, isso porque os vizinhos ignoravam aquele senhor, era como se ele não existisse, ninguém o auxiliava ou conversava com ele. Então eles resolveram descobrir o motivo de tanta indiferença, ou melhor, decidiram que ele era um lobisomem e pronto. Coisa de criança que, quando cismam com algo, imaginam até o inimaginável.
Depois de alguns dias seguindo o velho, que já havia percebido que estava sendo seguido, resolveu dar um susto nos garotos. O velho então desceu da carroça e entrou mato adentro e lá ficou até que os garotos chegassem mais perto, então fez barulho propositalmente e eles subiram na carroça a fim de se esconderem dele. Ignorando os passageiros, o velho subiu na carroça e seguiu viagem. Aqueles pestinhas estavam com muito medo, não sabiam pra onde iam, nem que já sabiam que eles estavam ali.
O velho ia calado,e os meninos nem respiravam,temiam ser descobertos, mas isso logo ia acontecer. Quando aquela carroça parou e o velho desceu e os garotos levaram um susto, pois ele foi em direção a eles dizendo:
-Chegamos!
-Como chegamos?Pensou o Pedro, o irmão mais velho.
-E agora?Ele viu a gente. Cochichou Joel.
Mas o velho estendeu as mãos em direção aos pequenos, e os ajudou a descer. Eles seguraram suas mãos e desceram devagar, estavam com muito medo.
-Calma meus filhos!Venham vou lhes mostrar o que venho fazer todos os dias aqui no mato. Sei que vocês me seguem, e tem curiosidade toda vez que saio de casa. Então vou lhes mostrar algo muito bonito. Venham não precisam ter medo. Não sou nenhum lobisomem. Disse ele sorrindo para os meninos, que estavam muito assustados e com muitas dúvidas.
- Como ele sabia que pensávamos que ele era um lobisomem?Pensavam eles.
Mesmo com medo eles seguiram por uma trilha estreita, que levou os três a um lugar muito bonito. Era um campo aberto, com muitas árvores frutíferas, flores e plantas que eles nunca tinham visto antes, além de uma lagoa rasa, bem no nível do terreno e com a cor avermelhada. Os pequenos ficaram boquiabertos, e se perguntavam:
-De onde havia surgido aquele lugar?
Então o velho convidou os dois para sentar-se perto da lagoa, e começou a falar...
-Aqui é a lagoa que deu origem ao nome da cidade onde vocês moram. Vejam o quanto ela é bonita e misteriosa.
O velho foi falando daquele lugar como se fosse seu. Ele conhecia cada pedaço dali. Contou o motivo da cor avermelhada, coisa que os guris nunca tinham ouvido sequer falar. Que existia uma lagoa vermelha. Muito menos que ali foi palco de batalhas sangrentas em busca de muito ouro. Ouro esse que está no fundo da lagoa, disse ele.
-E não pode tirar o ouro de lá?Perguntou Joel.
-Não! O ouro é sagrado. Ninguém jamais tirou nada daqui. Nem conseguiriam se tentassem, pois a lagoa protege toda a riqueza, por isso dizem que ela é encantada.
Depois de conversarem muito, os meninos perguntaram ao velho como ele se chamava e se podiam ser amigos...
-Claro! Disse ele.
-Meu nome é Paulino. E continuou...
-Eu sempre gostei de vocês meninos, Pedro e Joel. Disse ele.
-Como o senhor sabe nossos nomes?Perguntou Pedro
-Todos conhecem vocês aqui na vila. E eu também moro ali, só que as pessoas não gostam de mim. Mas isso não importa. Disse ele.
Enquanto eles conversavam, o velhinho colhia ervas, que conforme ele, aquelas plantas faziam bem a saúde.
Seu Paulino convidou os garotos para irem pra casa, mas pediu que eles não contassem a ninguém sobre o passeio, e os convidou para irem até sua casa no dia seguinte. Disse-lhes que iria levá-los até outro local tão bonito quanto aquele que acabaram de conhecer. Despediram-se e foram pra casa. Não falaram nada a ninguém, embora achassem que deviam contar para o avô que morava com eles, mas não contaram. Preferiram ir ao outro lugar primeiro, depois falariam pro avô.
Eles estudavam pela manhã, na escola Silveira Neto, era ali perto da casa deles. Na Capela dos Micos. Depois do almoço, enquanto sua mãe ia lavar roupas em um tanque coletivo, com as outras mulheres da vila, eles seguiram até a casa do velho, que ficava ali nas proximidades. A casa era de madeira, bem velha e pequena. Quando estavam chegando perto a velho apareceu na porta, sorrindo e convidando eles pra entrar. Entraram com medo, desconfiados, mas o velho os tranqüilizou dizendo...
-Não precisam ter medo de mim, não vou lhes fazer mal algum. Só quero mostrar algumas coisas que aprendi desde pequeno, e não tenho pra quem mostrar, pois sempre fui muito sozinho.
Entraram na casa, e automaticamente seus olhos fotografaram tudo, todos os detalhes daquele lugar. Era uma casa muito simples, mas limpa. As ervas que ele colhera no passeio do dia anterior já estavam penduradas para secar. Ao notar que os pequenos olhavam muito para as ervas penduradas ele explicou que elas eram bentas por ao São João Maria, um profeta que passou por lá e deixou suas benções sobre aquele local e tudo que nascesse ali. Eles ficaram curiosos sobre o tal profeta e pediram ao velho que contasse mais sobre ele. Então o velho lhes disse:
-Então vamos conhecer a bica que S.João Maria fez surgir com seu cajado no chão. Disse ele.
Os meninos ficaram muito curiosos em conhecê-la. Pegaram a carroça e foram ate lá.Não era muito perto,mas eles logo chegaram.
Não havia mais ninguém além deles no local, então desceram rapidamente. Mas, Seu Paulino pediu que eles subissem até a grutinha que tem ali, nela há uma santinha, a Nossa Senhora Consoladora. E levassem um cordão com dois saquinhos de pano nas duas extremidades, um escapulário, pra ser mais exato, para que a santinha abençoasse aqueles amuletos.Subiram até a santa,ajoelharam-se e fizeram suas orações segurando o cordão bem forte,cada um dos garotos recebeu um.
Ao descerem, seu amigo os esperava na fonte onde sai a água mais pura e cristalina da cidade. Ele começou a relatar que aquela fonte de água foi seu santo de devoção, São João Maria que criou e abençoou. Aquele que beber dessa água é abençoado, e sentirá forte vontade de retornar aqui. Disse ele com convicção naquilo que acabara de dizer.
Eles então se agacharam e beberam daquela água benta. Ali estavam os mais novos abençoados pelo santo e Nossa Senhora.
Seu Paulino levou os dois de volta pra casa. Quando estavam chegando eles pediram pro amigo um novo passeio. Então o velho disse:
- O próximo passeio será não santuário de São João Maria, lá esta o corpo dele enterrado, e vocês vão ser abençoados por ele também.
Despediram-se ao chegar a casa, e o passeio marcado pra tarde seguinte fortaleceu a amizade entre eles. Mas, como o amanhã a Deus pertence, o passeio teve que ser adiado por causa de uma nevasca, isso mesmo, a pior de todas. Aqueles dias de 1965 jamais vão ser esquecidos. As pessoas ficaram isoladas, pois a neve que caía era muito intensa e perigosa.
Aqueles dois só pensavam no amigo naquele perigo, como um velhinho iria suportar tanto frio com tão poucas cobertas?Pensavam eles sem poder sair de casa.
Após alguns dias de nevasca, as pessoas saíram de suas casas para retomarem suas atividades e refazerem os estragos provocados pela neve. A primeira coisa que os guris fizeram ao sair de casa foi ir até a casa do amigo. Mas não imaginavam o que encontrariam lá. Uma cena muito triste, o amigo estava deitado em sua cama, doente, com muita febre e frio. Estava só esperando eles para morrer, uma cena horrível.
Acenderam o fogo e tentaram aquecer o amigo, colocando uns pelegos sobre ele. A casa foi aquecendo e o velho abriu os olhos lentamente e sorriu ao ver que seus amiguinhos estavam ali, tentando ajudá-lo. Chamou Pedro pra perto dele, pois falava muito baixinho. Disse a ele que pegasse um livro atrás da cama, gostaria que cuidasse muito bem dele, e que só abrisse quando voltasse pra sua casa. Pedro então o pegou, era muito velho, um cordão segurava a capa de couro que cobria o livro. A fraqueza tomava conta daquele ser indefeso,mas ele queria falar com o caçula Joel,que a essa altura já chorava muito,não queria perder seu melhor amigo.O velho pediu que ele se aproximasse,e novamente falando muito baixo, lhe disse que aquele amuleto que lhes foi dado, iria protegê-los de doenças,acidentes e de qualquer perigo,isso se eles tivessem muita fé e jamais tirassem do pescoço.Eles concordaram e disseram ao amigo pra ficar tranqüilo pois eles rezariam pra Nossa Senhora e pra São João Maria,e que os santos iriam atender seus pedidos,e ele ia melhorar.Os olhos do velhinho se fecharam e os meninos ficaram desesperados,choravam muito ,se ajoelharam aos pés da cama onde ele estava deitado e iniciaram a mais forte oração de suas vidas,rezavam,pediam pela saúde do ancião,imploravam por salvação e pediam perdão de seus pecados.
Ora pecados, eles nem sabiam o que era pecado, só tinham oito e nove anos, e já com a missão de pedir pela vida de um desconhecido, que até dias atrás eles achavam que era um lobisomem. As orações feitas de olhos fechados, cheios de lágrimas e com tanta fé começaram a dar resultados positivos e aquele que á pouco estava morrendo começa a dar sinal de vida,os olhos abrindo e a febre baixando,foi os primeiros indícios que ali havia acontecido um milagre. A fé dos meninos, e uma força estranha tinha sido responsáveis pela recuperação imediata de Seu Paulino. Quanta alegria tomou conta deles, seu amigo estava de volta e agora poderiam cuidar dele.
Enquanto se recuperava do susto, Seu Paulino agradecia aqueles dois que haviam salvado sua vida com a fé deles, e reforçava os pedidos que tinha feito aos dois. Eles por sua vez se sentiram na obrigação de ir até o santuário do santo de devoção do amigo, queriam agradecer pessoalmente a graça alcançada. Eles não sabiam onde ficava o local, teriam que esperar o amigo melhorar. Como era grande a necessidade dos garotos em ir até o santo, que, ele orientou os dois a irem com sua carroça e os tranqüilizou dizendo que seu cavalo conhecia o caminho e que os trariam de volta com segurança.
Embarcaram na carroça, sorriam e choravam ao mesmo tempo. Chegando ao santuário eles foram rapidamente em direção a um altar,onde havia velas acesas,fotos de pessoas,peças de roupas,enfim muita coisa que as pessoas deixavam ali para demonstrar gratidão.Ao olharem para cima avistaram a fotografia de um velhinho bem no centro da parede, foram em direção à ela ,era a foto do santo São João Maria.Ao olharem bem de perto tiveram a maior surpresa de suas vidas.Aquele rosto que estava estampado na foto,era de um conhecido deles, do seu amigo,daquele velho ,do Seu Paulino,sim dele mesmo.
-Como assim?Perguntavam-se, não entendiam mais nada. Como aquele velhinho amigo se tornou um santo?
Foi muito difícil aquele momento para eles. Voltaram imediatamente pra casa do velho. Queriam uma explicação pra tudo aquilo. Mas ao chegar à casa, outra surpresa.Não tinha mais casa alguma ali.Nem casa ,nem velho. E a carroça que havia trazido os dois também sumiu. Só tinha um livro na beira da estrada, o livro que Pedro ganhara do amigo.
Eles não sabiam o que estava acontecendo. Há pouco tempo atrás tinham um amigo, e agora tudo estava vazio, mas ainda estava ali, na memória dos dois. Acharam até, que tudo não passava de um sonho deles.
Ao voltarem pra casa, tristes e aborrecidos seu avô os esperava na porta. Resolveram contar pra ele o que havia acontecido. Ele escutou tudo o que os garotos contaram e revelou que tudo aquilo que tinha acontecido com eles, ele já havia vivido quando tinha a idade deles. O avô também mostrou aos meninos um cordão que ele tinha no pescoço, era igual ao deles, e que ganhara de um velhinho também.
Neste momento eles perceberam que, o velho amigo era realmente São João Maria. Somente eles tiveram o privilegio de vê-lo. Por esse motivo achavam que ele era ignorado pelas outras pessoas. Ele testou a fé deles, ensinou um pouco da historia da cidade, lhes deixou um amuleto sagrado e um livro cheio de orações, receitas de remédios feitos com plantas e ervas medicinais. Além da oportunidade de ter vivido a mais bela experiência de suas vidas. Os meninos ainda tiveram uma grande emoção ao ver que, na última pagina do livro São João Maria deixou um obrigado bem grande para seus novos afilhados. Pedro e Joel.